13 de julho é o Dia Mundial do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). A data busca conscientizar sobre a síndrome, os impactos na vida das pessoas e a importância do diagnóstico e tratamento adequados. Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), 5% da população adulta no mundo tem TDAH. No Brasil, os dados não são diferentes. Estudos mostram a prevalência do transtorno em até 5,8% do público infanto-juvenil, impactando principalmente nos estudos.
+ Receba as principais notícias de Santa Maria e região no seu WhatsApp
Para lidar com esse cenário, o Brasil conta com a Lei nº 14.254/2021, que prevê o acompanhamento integral para estudantes da educação básica com TDAH, dislexia e outros transtornos de aprendizado, além de outras medidas que buscam garantir o respeito, a compreensão e a inclusão de quem convive com a síndrome.
Busca por diagnóstico
Na sala da clínica especializada que gestiona em Santa Maria, a psicopedagoga e especialista em neuropsicologia com ênfase escolar, Paula Calçada Pereira, 49 anos, seleciona alguns livros sobre TDAH. O tema é importante para a profissional. Quando o filho mais velho era pequeno, Paula percebeu sinais que poderiam indicar o transtorno:
– Quando o processo de investigação do Bruno começou, morávamos em São Paulo. Na época, fomos até o pediatra dele, que falou o seguinte: “Eu não sei, mas eu acredito que você deveria avaliar para ver se o Bruno não tem TDAH, porque se não for tratado, ele vai ser um perdedor”. Aqui, bateu de uma forma muito ruim. A partir dessa situação, começamos nossa andança com o Bruno. Então, ele tinha professor particular, psicopedagoga, psicólogo e rotina em casa. O Bruno sempre foi muito inteligente, então, até chegar a um diagnóstico, passamos por pelo menos três neuropediatras em São Paulo.
Aos 11 anos, Bruno recebeu o diagnóstico de TDAH. Segundo Paula, embora tenha se alfabetizado bem, o menino tinha episódios recorrentes de desatenção, o que passou a baixar seu desempenho escolar. A solução foi iniciar o tratamento.
– Ele tinha um rendimento na escola que não era bom e uma dificuldade comportamental, que é muito característica do TDAH. O dele é do subtipo combinado, ou seja, ele tinha prejuízo na atenção, na impulsividade e na hiperatividade. Então, resolvemos aceitar o tratamento farmacológico, associado às terapias e foi nesse momento, que a vida do Bruno começou a melhorar. Ele começou a prestar atenção – comenta.
Leia também
Escola
Embora sejam importantes, as etapas da educação básica podem ser estressantes para quem convive com o TDAH. Hoje, com 25 anos, o atuário Bruno Calçada Terra lembra dos momentos em sala de aula e das dificuldades causada pelo TDAH.
– Sempre fui uma criança muito agitada, brincava muito e fazia bastante bagunça. A escola nunca foi uma dificuldade para mim, porque eu encontrava muita facilidade em algumas matérias, principalmente na de exatas. O que mais me atrapalhava era a desatenção e o desinteresse. Na época, eu tinha muita dificuldade em focar, principalmente em temas que não estivesse 100% engajado – afirma o jovem.
Alguns episódios vivenciados pelo filho são comentados por Paula, que precisou tomar uma atitude:
– Ele fazia o trabalho, mas não tirava da mochila e eu falava “meu filho, tira da mochila” e ele respondia que esqueceu. Eu perguntava: “E agora, o que a professora vai fazer?” e ele dizia: “Vai me dar carimbão”. Então, um dia, eu fui até a coordenadora da escola, que foi primordial no processo dele, e perguntei se podíamos mudar a forma de avaliação do Bruno. Ele não precisava de adaptação curricular, mas que tivesse um peso maior na prova. A partir disso, começamos a organizar toda a trajetória pedagógica dele.
Após concluir o Ensino Fundamental, veio mais um desafio: o Ensino Médio. O período, que sempre é um divisor de águas para todos os estudantes, não foi diferente com Bruno, mas exigiu ajustes no tratamento para o TDAH.
– Quando chegou o primeiro ano do Ensino Médio, ele reprovou. Nessa fase, eu já estava em Santa Maria e eu levei o Bruno no Luciano (Hartmann, neuropediatra). Começamos a fazer toda uma readaptação farmacológica para o Bruno e ele teve uma nova mudança de chave. Então, no primeiro ano do Ensino Médio, ele reprovou. No segundo, ele fez muito bem. E no terceiro, ele também fez muito bem. Quando ele terminou o Ensino Médio, ficamos pensando no que iríamos fazer, que faculdade fazer. O Bruno sempre teve dificuldade em linguagens, mas era absurdamente diferenciado em matemática. Deixamos eles escolher. Ele passou em duas universidades federais e optou por fazer uma faculdade particular em São Paulo – conta Paula.
Bruno comenta que as realizações acadêmicas fizeram com que refletisse sobre tudo, inclusive sobre as formas com que o TDAH impacta na visão de si mesmo:
– Claro que o tratamento fez diferença na minha vida, mas teve muito do meu esforço ali e da minha trajetória pessoal. Acho importante reconhecer isso, porque o tratamento, semdúvidas, ajuda e é muito importante, mas a conquista é nossa. E normalmente pessoas com TDAH tem um pouco de dificuldade em assumir suas conquistas.

Apoio familiar
Bruno se formou em Ciências Atuariais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1° de junho deste ano. A conquista emociona Paula, que ainda lembra da confirmação do diagnóstico e do início do tratamento do filho.
– Hoje, o Bruno está formado, trabalhando em uma empresa muito consolidada dentro do ramo de investimentos de risco. Tem a independência dele. E eu sou muito grata por todo o processo que passamos, pelos médicos que apostaram no meu filho; pela escola, que nos ajudava na medida que podia e, por eu e o pai dele nunca termos desistido dele – diz, sorridente.
Para o jovem, o apoio familiar foi essencial para viver e ter maior qualidade de vida mesmo com o TDAH:
– Meus pais foram muito importantes. Antes do diagnóstico, sofria muito na escola. Já estudei em um colégio que não sabia lidar com crianças com TDAH e isso causava muitos problemas. Após o diagnóstico, meus pais começaram a entender muitas coisas, que minhas dificuldades de comportamento não eram “nada intencional” e sim algo que eu precisava de ajuda para lidar. Eles sempre me deram todo o suporte do mundo, tratamento medicamentoso, psicoterapia, acompanhamento escolar e atividades extracurriculares. Sempre buscavam me entender e me colocar nas melhores situações possíveis para que pudesse ter menos “pedras no caminho”.
Diagnóstico de Paula
Há 9 anos, Paula convive com o diagnóstico de TDAH. A descoberta trouxe algumas respostas e desafios:
– Durante o processo de investigação do Bruno, eu descobri que eu tenho TDAH. Eu iniciei o tratamento e as coisas também começaram a melhorar, porque a minha demanda é muito grande e não paro de estudar. A minha casa é cheia de post-it (notas adesivas). Então, não tem decoração ou sofá. Tem mesa de estudos, computador, tela e recados pela casa inteira para eu conseguir dar conta.
A realidade de Paula não é muito diferente da de muitos adultos que recebem o diagnóstico do Transtorno de forma tardia. Ao lado da mãe, Bruno espera que mais pessoas com o TDAH não tenham medo do preconceito e dos julgamentos da sociedade.
– Acho que o mais importante é aceitar que você vai conviver com isso (o transtorno) para o resto da sua vida e aprender a lidar do melhor jeito. Hoje, eu não tomo mais o remédio para TDAH, mas me trato de outra forma. Desde que eu fui diagnosticado, a minha família sempre me apoiou. Minha mãe sempre estudou muito sobre o assunto, me ensinou muito e eu comecei a desenvolver formas de me cuidar. Para mim, hoje, funciona muito fazer atividades esportivas e a terapia. Então, tente. Conseguir lidar com o TDAH de um jeito bom, fazer um tratamento legal e que você se sinta bem pode mudar sua vida – reforça o jovem.

Paula transformou o TDAH em tema de pesquisa
No convívio com Bruno e o próprio diagnóstico, Paula viu surgir uma oportunidade para ajudar mais crianças e seus pais neste processo. Após mais de 10 anos vivendo e trabalhando em Santa Maria, ela montou uma equipe multidisciplinar e inaugurou a clínica Aprender e Construir.
Com 4 anos de existência, o espaço trabalha com o bem-estar e a evolução de crianças com transtornos de neurodesenvolvimento, disponibilizando atendimento com psicopedagogas, psicólogos, psicomotricistas, neuropsicólogos e terapeutas ocupacionais, entre outros profissionais. Ao Diário, Paula falou sobre a importância desse passo:
– Quando eu comecei a atuar na psicopedagogia em Santa Maria, eu recebia muitas crianças com TDAH. E para a minha alegria, muitas delas estão na faculdade hoje. Isso por causa das discussões sobre o tema, a rede de apoio e os pais que buscaram atendimento com os neuropediatras e psiquiatras infantis na época. Eu quero que isso continue.
Com o desejo de se aperfeiçoar e contribuir cada vez mais com as discussões sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, ela ingressou, em 2022, na graduação em Psicologia pela Sociedade Brasileira para o Ensino e Pesquisa (Sobresp). Para ela, ainda é preciso lutar contra o preconceito relacionado ao transtorno.
– Agora, tudo é TDAH? Não é. Nós apenas passamos a falar e estudar mais sobre isso. As evidências científicas estão aí, muito potentes, então, acabamos ajudando mais essas turmas que vem. O meu projeto de trabalho de conclusão de curso é sobre o TDAH na fase adulta e os benefícios da terapia cognitiva-comportamental para ajudar no manejo, porque não adianta ser um tratamento só farmacológico. Ele precisa ser terapêutico também – conclui Paula.
